segunda-feira, novembro 28, 2005

"Tender Trap" ou a armadilha do jazz

"Como começa e onde começa um disco? A gravação de um CD de standards já me atormentava há algum tempo. Mais precisamente desde que me cruzei com o jazz. Este primeiro encontro resultou. Fatal. Dele saiu logo a vontade de cantar aqueles temas todos a falar do amor e dos seus encontros e desencontros. De perceber o que é que se passava com aquela música em que se podia improvisar e criar com os outros músicos uma coisa mágica, inesquecível. A maldição do jazz estava lançada. E a América e os seus compositores mais populares completavam o feitiço. Cole Porter, Rodgers and Hartz, Gershwin, Cahn e Van Huesen. As letras e as músicas. Aprender a falar com a música. Aprender a música com as letras. Os filmes. As histórias contadas pela música nos filmes. "New York, New York. If you can make it there you'll make it anywhere". As divas, o Sinatra e o Fred Astaire. E a música brasileira sempre a servir de fundo. Stan Getz meets João Gilberto. Elis Regina meets Jobim. Caetano meets everybody. América, América. Isto começa a tornar-se uma obsessão e não há Garota de Ipanema que lhe resista. No fundo, todos os caminhos vão dar ao jazz. O melhor é assumir que é mesmo isto. Cantar estes temas. Standards, porque não? São boas canções, as minhas preferidas. São elas que me levam até ao piano do Filipe Melo que também esteve lá, na América. E olha que ele também é daqui deste universo. Do Sinatra e do Fred Astaire. Sabe as letras e toca-as como se fossem dele. Assim podemos tocar os dois. Se calhar os quatro. Chamar o Bernardo Moreira e o André Sousa Machado, não há melhor, e já temos quarteto. Mais do que isso. Uma banda. Falta escolher as canções. Manhattan, I Concentrate on you, Too close for comfort. Juntar as peças. Falar com o Elvis Veiguinha que quer produzir. Agora são só mais dois meses. Ensaiar, ensaiar. Este é o melhor trabalho do mundo. Abril só teve quatro dias. E estão todos gravados. Com as gargalhadas e os suspiros de uma primeira gravação. Pedir ao André Fernandes para misturar. Pedir ao Daniel Blaufuks para fotografar que por acaso está em New York. Esta cidade persegue-me. E porque não vens e fotografamos cá? Onde tudo nasceu. A música, o jazz, a paixão pelo jazz. Uma armadilha da qual é tarde de mais para sair. Ainda bem. Assim já temos nome para o disco. Tender Trap. E nunca foi tão bom ser apanhada."

Marta Hugon
(também copywriter na JWT)

Linear

Certos pacotes não vão para o linear do supermercado, nem ficam na prateleira, vão para a estante. É o caso do último livro do redactor/ficcionista da Euro RSCG Miguel Teixeira - Sem Corantes Nem Conservantes. O livro destaca-se imediatamente pela originalidade da embalagem: um pacote de Tetra Pak. Lá dentro o livro vem despido de lombada e a dedicatória deixa antever quase tudo: “a todos aqueles que ainda buscam na actividade publicitária o seu verdadeiro e genuíno suco, sem adicionantes, corantes ou conservantes.”
A história relata o dia-a-dia de duas duplas de criativos (substantivos), de duas agências de comunicação, com todas as frustrações, sonhos e compensações que a profissão de publicitário acarreta. Ou seja: o cliente que muda tudo, o desejo de triunfar numa agência além-fronteiras e vencer em Cannes.
Ao longo de 272 páginas em corpo 9, deparamo-nos com a linguagem, expressões e jargão do mundo da publicidade. “Sem Corantes Nem Conservantres” pode ser um bom meio para justificar noitadas a quem não está no meio nem percebe muito bem o que se faz e almeja com os reclamos. Um risco que o livro de Miguel Teixeira pode correr é o de se transformar num “espremedor do Starck”, bonito de se ter na prateleira e mostrar aos amigos, mas sem realmente conseguir fazer aquilo a que se propõe inicialmente: espremer o sumo. O tempo e talvez um inquérito telefónico o dirão.

quarta-feira, novembro 16, 2005

Palavras precisam-se

O Clube de Criativos é dos criativos e o blog também. Pedimos então a vossa colaboração, sócios ou não sócios, para dinamizar este espaço. Queremos as vossas palavras sobre publicidade, design, criatividade e boas ideias. Aqui têm “espaço de antena”, mandem criticas mordazes, eloquentes ou irritadas, mas sempre relevantes. Reservamo-nos ao direito de censurar os insultos vazios de significado. Não é necessário escrever a duplo espaço e a margem de cinco centímetros de k-line é facultativa.

Enviar para: clubedecriativos@apap.co.pt

terça-feira, novembro 15, 2005

Diz-me o que tens no pulso, dir-te-ei o que te vou vender

Nos dias que correm é cada vez mais difícil comunicar com os consumidores de forma generalista. Há demasiados nichos, classes, subgéneros, tribos, franjas de mercado. Um grito na rua tem de ser dado de uma certa forma para atrair os jovens que podem querer consumir água com sabor, mas se se quiser atrair os jovens consumidores de vodka o grito irá requerer uma entoação completamente diferente. Dentro desse grupo de jovens, haverá aqueles que votam na direita, os que votam na esquerda e os que não votam, escolhas que os especialistas conseguem traduzir em tendências de consumo. Haverá aqueles que vestem Diesel, os que vestem Zara e os que se despem assim que o álcool começa a fazer efeito. Como distinguir as nuances entre estes públicos aparentemente tão semelhantes, mas que na realidade respondem a estímulos completamente diferentes? Talvez se um marketeer mais arrojado os marcasse como gado para direccionar cirurgicamente futuras campanhas. Mas esperem, essa marcação já existe! Segundo o politico inglês David Davis, estamos a assistir à sublevação da “geração pulseira”, Davis, que luta pela liderança do partido conservador inglês, pretende conquistar para as suas fileiras os jovens que usam a pulseira “Make Poverty History”, mas também aqueles que usam a pulseira da Nike contra o racismo e ainda os jovens estudantes que ostentam a lista azul anti-violência no braço. Quem ostenta um ideal no pulso, mesmo que seja maioritariamente por razões estilísticas, é um consumidor com opiniões definidas e as marcas gostam dessas pessoas. Sim, os estudos morrem quando esbatem nas pessoas NS / NR (Não Sabe, Não Responde).
O mercado nunca dorme e não seria de estranhar se já existissem bases de dados baseadas naquilo que as pessoas trazem nos pulsos. Tem a pulseira Livestrong, do ciclista Lance Armstrong e da sua fundação para apoiar as vítimas do Cancro? Então temos aqui uns folhetos farmacêuticos para si. Tem a pulseira do SOS Racismo? E se nos desse um donativo para ajudar as famílias carenciadas da comunidade cigana? Nunca os pulsos falaram tanto, já não se trata simplesmente de identificar um consumidor pelo seu Rolex Casio ou Swatch, agora as pessoas trazem causas consigo. Por falar na marca suíça: Tem um Swatch Ursinhos? Pode então, com certeza, assinar esta petição para simplificar o processo de adopção de crianças? As causas estão instaladas, e elas não param de surgir sob a forma de pulseiras de borracha. Até os clubes de futebol originaram a sua causa, eles próprios, e um dos tablóides portugueses, à falta de uma causa específica, lançou pulseiras de todas as cores. Lembram-se da fita do Nosso Senhor do Bonfim? Paz à sua alma.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Toda a verdade.

Um dos meus defeitos como publicitário é pôr-me a falar com os anúncios (sobretudo quando são interessantes). Eis o diálogo travado, a propósito dos 64 cêntimos de um quilo de Arroz Cigala Agulha, no Jumbo:
- Anúncio, não te importas de repetir a última frase dita pelo Jorge Gabriel?
- “Isto é verdade, não é só publicidade”.
- Quem é que te criou? Uma agência de publicidade?
- Claro, quem mais?
- Há quem diga que muitos anúncios são feitos pelo cliente.
- Na verdade, são todos.
- …?
- A ficha técnica tem sempre o nome da agência… e do anunciante, é um trabalho solidário.
- Ok, mas interessa-me falar do ponto de vista da “criação”.
- Sou todo audiência…
- Um publicitário é um especialista em não dizer a verdade?
- “Em não dizer toda a verdade”… talvez.
- “Isto não é só publicidade” não é o mesmo que dizer “isto não é mais uma tanga”?
- Um bocado forçado…
- Quantas vezes ouviste dizer “eu não acredito na publicidade”?
- Muitas, sou forçado a admitir.
- E achas que é preconceito ou há um fundo de razão?
- Razão nenhuma.
- Anúncio, e não achas que, contrapondo “verdade” a “publicidade”, estás a alimentar esse preconceito?
- Eu não alimento nada, o arroz a 64 cêntimos é que…
- Faltava a piadinha.
- A sério, o fenómeno não é novo. Um antepassado meu dizia a propósito de um carro: “não o fará mais bonito ou mais novo. E se aumenta o seu ascendente sobre os vizinhos é porque você vive rodeado de snobs com valores morais distorcidos.” (Wieden+Kennedy, 1992)
- Ou seja, a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.
- Ajuda bastante.
- Não digo que não, mas quando te oiço dizer em tom confidente, “isto é verdade…” fazes-me lembrar aquelas pessoas que começam a su argumentação com “eu sou muito sincero…”
- Questão de estilo, “truth well told” não é para todos.
- Para todos só mesmo o tal adágio do mentiroso e do coxo.
- E com essa não me apanhas, o arroz custa mesmo 64 cêntimos, o quilo.
O diálogo ficou por aqui. Conclusão? Agora não posso, que já está aí outro anúncio a querer meter conversa.

João Navarro